terça-feira, 26 de abril de 2011

Os ANIMAIS nos campi e o exemplo da Fafich

Há muito tempo, pois.

Há muito tempo, pode-se dizer que o animal nos olha?

Que animal? O outro.

Jacques Derrida

Mirian Chrystus de Mello e Silva*

Há algum tempo, a presença de animais nos campi da UFMG tornou-se uma questão que envolve amplas parcelas da comunidade universitária, despertando discussões e até ações junto à Procuradoria do Meio Ambiente. Normalmente, as opiniões dividem-se entre os que detestam uma convivência que consideram forçada (a Universidade não é um lugar para animais) e os que, ao contrário, veem nela um toque colorido e até, paradoxalmente, de humanização do espaço acadêmico.

Quanto à questão de a Universidade ser ou não ser o locus em que animais possam viver ou transitar, a Universidade não é nada em si mesma, ela torna-se, em tempos democráticos, o que sua comunidade determinar que ela seja, pela discussão, pelo diálogo, pela negociação. Nessa linha de pensamento não essencialista, registre-se que certos traços, compromissos e discussões que a Universidade acolheu, ao longo dos últimos 10 anos, eram impensáveis em tempos mais recuados: inclusão de deficientes, cotas, atenção a minorias, preocupações com segurança, transporte etc. A própria campanha Bocados de Gentileza talvez fosse impensável há alguns anos.

Nesse contexto, dentro do espírito da campanha Bocados de Gentileza – a preocupação com o espaço compartilhado por todos –, defende-se que a questão dos animais nos campi deveria ser discutida pela comunidade universitária levando-se em consideração os matizes das diversas opiniões envolvidas. Há apenas um limite intransponível: a morte de animais saudáveis é crime, por lei federal de 1998. Assim, a discussão deveria se pautar pela busca de soluções criativas, de maneira responsável e coerente.

Isto para evitar traumas como o ocorrido na Fafich, em 1999. Muitos devem se lembrar do feriado de 12 de outubro em que a diretoria de então, cedendo a pressões de setores da comunidade, permitiu a captura pela Zoonose da Prefeitura de Belo Horizonte de aproximadamente 50 animais, que acabaram exterminados em câmaras de gás. O ato motivou reações de movimentos de defesas dos animais, do movimento estudantil, e a UFMG foi parar nas páginas policiais dos jornais, penalizada também com uma ação aberta pela seção mineira da Procuradoria do Meio Ambiente.

Hoje, 12 anos depois, o “ar do tempo” é outro: nem os defensores dos animais na Fafich defendem simplesmente sua presença nos locais nem os que são contrários se sentem à vontade para propor simplesmente o seu extermínio. Na gestão 2008-2009 do professor João Pinto Furtado ocorreu uma mudança significativa no trato da questão: foi nomeada uma Comissão de Controle de Zoonose, encarregada do controle da população felina na área da Fafich (na verdade, um complexo que também abarca a Escola de Ciência da Informação e a Faculdade de Letras). Com o apoio da Diretoria, quase toda a população felina foi castrada, vacinada, vermifugada e, parte dela, encaminhada para adoção.

Por que quase toda? Por três motivos:
não se consegue o recolhimento total dos animais porque alguns são muito ariscos, o que significa novas crias; há preferência, nas adoções, por filhotes e, por último, a lamentável irresponsabilidade dos que abandonam animais no prédio e nas imediações.

A atual Diretoria, através da atuação do vice-diretor, professor Mauro Lúcio Condé, procurou otimizar o processo. Após várias reuniões e contatos com ONGs da capital, optou-se pelo seguinte modelo de atuação: por meio de parceria com uma clínica veterinária realizou-se o recolhimento de animais e construiu-se um gatil em cidade próxima, com capacidade para 30 animais. O local não é divulgado justamente pelo receio da irresponsabilidade de pessoas que se sentiriam mais à vontade para abandonar animais na clínica.

Paralelamente a essa ação, os filhotes, com o apoio de uma rede de simpatizantes e de um blog, vão gradativamente sendo colocados para adoção. Em três anos, englobando as duas gestões, foram encaminhados para adoção cerca de 140 animais. Nos últimos seis meses, esse número chega a cerca de 40 filhotes.

O recolhimento de filhotes e seu preparo para adoção são processos artesanais: recolhidos com aproximadamente um mês, ou menos, terminam de ser amamentados e vão para a casa de um apoiador que finaliza a “socialização”: é a fase em que estão mais bonitinhos, aprendendo a brincar de “lutas” e iniciando relação de confiança com seres humanos. Assim, eles tornam-se mansos, aptos para o convívio. Neste ponto, sua foto é postada no blogattos.blogspot.com.

Este processo precisa ser otimizado ainda mais. Para isso, foi feita uma parceria com um petshop da Savassi, que se dispõe a expor os filhotes e encaminhá-los para adoção, sem ônus algum, apenas com a exigência de que o animal tenha tomado a vacina quádrupla.

O problema, como se pode perceber, é complexo. Envolve, primeiramente, a boa vontade de uma administração afinada com a cultura contemporânea que não aceita simplesmente a matança de animais como solução; e o envolvimento daqueles que se dizem defensores dos animais e deveriam ter como responsabilidade inerente a esse amor a colaboração no controle populacional. Tudo para que os animais possam ser aceitos em sua diferença.

* Professora do Departamento de Comunicação Social e coordenadora do Grupo de Controle de Zoonose da Fafich

Artigo publicado no Boletim da UFMG Nº 1735 - Ano 37
25.04.2011

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